domingo, 18 de novembro de 2012

Ausência, de Wislawa Szymborska


Por pouco
e a minha mãe teria se casado com o senhor Zbigniew B. de Zdu´nska Wola.
Se tivessem uma filha -- não seria eu.
Talvez com a memória para nomes, rostos
e canções ouvidas uma só vez -- melhor que a minha.
Distinguindo sem erro um pássaro do outro.
Com excelentes notas de física e química,
de polonês nem tanto,
mas escrevendo poemas às escondidas,
logo muito melhores que os meus.

Por pouco
e naquela mesma época meu pai teria casado
com a senhorita Jadwiga R. Zakopane.
Se tivessem uma filha -- não seria eu.
Talvez mais teimosa e intransigente.
Saltando sem medo na água funda.
Suscetível ao que comove as massas.
Vista em vários lugares ao mesmo tempo,
poucas vezes com um livro, muito mais com a bola,
jogando com os meninos nos pátios e ruas.

As duas poderiam ter se encontrado
na mesma escola e na mesma classe,
mas sem afinidades,
nenhum parentesco,
e na foto da turma, bem afastadas entre si

Fiquem aqui, meninas
-- diz o fotógrafo --,
as pequenas na frente, as mais altas atrás.
E sorrisos bonitos quando eu der o sinal.
Verifiquem ainda,
não falta ninguém?

- Sim, senhor, estamos todas aqui.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

The Divide, de Edwin Morgan


I keep thinking of you - which is ridiculous.
These years between us like a sea.
and dignity that came with growing older
would stop my pencil on the paper.
The player was open; you asked for the Stones;
got that, got steaming coffee, conversation.
The heavy curtains kept a wild night out.
I keep thinking of your eyes, your hands.
There is no reason for it, none at all.
You would say I can't be what I'm not,
yet I can't not be what I am.
Where does that leave us? What can we do?
The silence after Jagger was like a cloak
I'd have thrown over you - only the wind
was left, and the clock ticked as you sipped,
clutching the green mug in both hands.
Don't look up suddenly like that!
How hard is not to watch you.
We had got to the stage of not talking
and not worrying, and that
was almost happy. Then, late,
When you lay on one elbow on the carpet
I could feel nothing but that hot knife
of pain telling me what it was
and I can't tell you about it, not one word.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Autotomia, de Wislawa Szymborska

Diante do perigo, a holotúria se divide em duas:
deixando uma sua metade ser devorada pelo mundo,
salvando-se com a outra metade.

Ela se bifurca subitamente em naufrágio e salvação,
em resgate e promessa, no que foi e no que será.

No centro do seu corpo irrompe um precipício
de duas bordas que se tornam estranhas uma à outra.

Sobre uma das bordas, a morte, sobre outra, a vida.
Aqui o desespero, ali a coragem.

Se há balança, nenhum prato pesa mais que o outro.
Se há justiça, ei-la aqui.

Morrer apenas o estritamente necessário, sem ultrapassar a medida.
Renascer o tanto preciso a partir do resto que se preservou.

Nós também sabemos nos dividir, é verdade.
Mas apenas em corpo e sussurros partidos.
Em corpo e poesia.

Aqui a garganta, do outro lado, o riso,
leve, logo abafado.

Aqui o coração pesado, ali o Não Morrer Demais,
três pequenas palavras que são as três plumas de um voo.

O abismo não nos divide.
O abismo nos cerca.