terça-feira, 9 de outubro de 2018

poesia de Aglaja Veteranyi

A Varanda

A menina envelheceu, cresce-lhe um caixão
no ventre.
Os seios caem sobre a mesa.
Os amantes já estão mortos há tanto tempo, que todos se chamam Robert.
Antes de dormir a menina dirige-se à varanda.
Lá aguarda a sombra. Lá aguarda a lua.
A lua brota.
Brotar é uma canção.
As gotas de pétalas da lua caem sobre os pés da menina.
A lua dança, diz a menina. Ela dança para nós.


*

Rosmarie

Meu tio A Viagem tem uma mala cheia de vozes. E uma mulher e um cão. E o cão se chama Rosmarie. E a tia tem outro nome. E o tio se chama A Viagem, embora nunca tenha estado no exterior. Ele passa diariamente 8 horas em seu quarto; ninguém sabe o que ele faz lá dentro. Quando alguém lhe pergunta, ele diz: eu me imagino sentado no quarto. À noite, ele vai ao restaurante italiano da esquina e come lesmas com limão.
Mas lesma nem é comida italiana, diz a sua mulher.
E o tio diz: e daí?
Após a grapa ele retorna e vê o dia na televisão.
Depois anda pela casa e faz uma cara.
Até hoje ninguém viu a mala cheia de vozes. E o tio conta cada vez uma história diferente: quando estou no quarto e me imagino sentado no quarto, tiro uma voz de dentro da mala e mando-a calar-se. As vozes na mala são como macacos, mal saem e já sobem pelas cortinas ou arrastam-se sob o tapete ou entram pelas pernas das minhas calças.
Então a tia vai para a cozinha e bebe vinho branco. O copo metade vazio ela sempre recoloca no armário. Frequentemente retorna à cozinha, e todas as vezes ouve-se ela abrir e fechar a porta do armário. À noite, os seus olhos estão boiando em vinho branco. E enquanto o tio A Viagem escuta o silêncio da sua mala de vozes, escuta-se a tia soluçando no banheiro.
No dia seguinte, o tio conta que, no sonho, ele morava em um refrigerador.
E a tia diz nada em voz alta.
E às vezes ela se enfia na cama em pleno dia.
E o tio sai para a rua em plena noite.
E a tia vai à igreja e acende uma vela.

E o tio conta ao vizinho que tem negócios no exterior, que se tornou criador de minhocas.
E a tia sorri.
E o tio pendura uma tabuleta na porta:
HOJE FECHADO
E o pior desta história é que ninguém se importa com o cãozinho Rosmarie.

*

via: http://www.suplementopernambuco.com.br/in%C3%A9ditos/1969-a-poesia-de-aglaja-veteranyi.html