domingo, 12 de maio de 2019
trecho de grande sertão veredas, de guimarães rosa
“A gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?”.
quarta-feira, 8 de maio de 2019
Lídia, de Ricardo Reis, in Odes
Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
via Lidia, a própria
via Lidia, a própria
terça-feira, 7 de maio de 2019
O aparecimento das caveiras no lençol da Via Láctea, de Matilde Campilho
Minha cara está se envelhecendo
antes de mim
Reconheço meus deuses
e se supõe que Jonas
também tenha reconhecido a baleia
antes da grande meditação
antes do grande silêncio
ou antes de escavar
a costela de sal
Pratico mergulho-prego
desde a rocha mais alta
como é próprio da estação
E antes do salto
sempre peço a Deus
que a guerra não me seja
de todo indiferente
Porque foi assim
que me ensinou a santa
Foi assim que me segredou
a estrada de fogo
da oitava região
Há uma seleção de catástrofes
se apresentando firmes
Coisas do tipo
A figura da menina russa
que passa no parquinho
acenando 3 pêssegos
dentro da bolsa de plástico
Como se fosse um arqueiro
fazendo show-off
de suas setas douradas
no fio solar de Agosto
Minha cara está marcada
por revoluções e iodo
por estilhaços de cobre
e pelo silêncio profundo
de los angelitos negros
à hora do café com açúcar
Carrego nas costas
a espada de plástico
que corta o friso nublado
entre signo e ascendente
Sim eu me aproximo
cada vez mais de meu ascendente
enquando faço pazes com meu sol
Reconheço meus heróis
aqueles que vieram antes
e os que virão mais tarde
Recorto suas descobertas
mas pelo sim pelo não
ainda guardo em meu bolso
a nota de cinco dólares
que me ofereceu o nômade
que cantava no deserto.
via Lidia
via http://revistamododeusar.blogspot.com/2013/07/poema-inedito-de-matilde-campilho.html?m=1
antes de mim
Reconheço meus deuses
e se supõe que Jonas
também tenha reconhecido a baleia
antes da grande meditação
antes do grande silêncio
ou antes de escavar
a costela de sal
Pratico mergulho-prego
desde a rocha mais alta
como é próprio da estação
E antes do salto
sempre peço a Deus
que a guerra não me seja
de todo indiferente
Porque foi assim
que me ensinou a santa
Foi assim que me segredou
a estrada de fogo
da oitava região
Há uma seleção de catástrofes
se apresentando firmes
Coisas do tipo
A figura da menina russa
que passa no parquinho
acenando 3 pêssegos
dentro da bolsa de plástico
Como se fosse um arqueiro
fazendo show-off
de suas setas douradas
no fio solar de Agosto
Minha cara está marcada
por revoluções e iodo
por estilhaços de cobre
e pelo silêncio profundo
de los angelitos negros
à hora do café com açúcar
Carrego nas costas
a espada de plástico
que corta o friso nublado
entre signo e ascendente
Sim eu me aproximo
cada vez mais de meu ascendente
enquando faço pazes com meu sol
Reconheço meus heróis
aqueles que vieram antes
e os que virão mais tarde
Recorto suas descobertas
mas pelo sim pelo não
ainda guardo em meu bolso
a nota de cinco dólares
que me ofereceu o nômade
que cantava no deserto.
via Lidia
via http://revistamododeusar.blogspot.com/2013/07/poema-inedito-de-matilde-campilho.html?m=1
Assinar:
Postagens (Atom)