Se os destinos de Edgar Allan Poe, dos vikings, de Judas Iscariotes, e de meu leitor secretamente são o mesmo destino - o único destino possível -, a história universal é a de um único homem. A rigor, Marco Aurélio não nos impõe essa simplificação enigmática. (Imaginei há tempos um conto fantástico, à maneira de Léon Bloy: um teólogo consagra toda a sua vida a confutar um heresiarca; vence-o em complicadas polêmicas, denuncia-o, manda-o à fogueira; no Céu descobre que para Deus o heresiarca e ele formam uma única pessoa.) Marco Aurélio atesta a analogia, não a identidade, dos muitos destinos individuais. Afirma que qualquer lapso - um século, um ano, uma única noite, talvez o inapreensível presente - contém integralmente a história. Em sua forma extrema essa conjuntura é fácil de ser refutada: um sabor difere de outro sabor, dez minutos de dor física não equivalem a dez minutos de álgebra. Aplicada a grandes períodos, aos setenta anos de idade que o Livro dos Salmos nos atribui, a conjuntura é verossímil ou tolerável. Limita-se a declarar que o número de percepções, de emoções, de pensamentos, de viscitudes humanas, é limitado, e que antes da morte o esgotaremos. Repete Marco Aurélio: "Quem viu o presente viu todas as coisas: as que aconteceram no passado insondável, as que acontecerão no futuro" (Reflexões, livro VI, 37)
Em épocas de apogeu, a conjectura de que a existência do homem é uma quantidade constante, invariável, pode entristecer ou irritar: em tempos de decadência (como estes), é a promessa de que nenhuma afronta, nenhuma calamidade, nenhum ditador poderá nos empobrecer.