sexta-feira, 14 de junho de 2019

Movimento da Espada, de Drummond



Estamos quites, irmão vingador.
Desceu a espada
e cortou o braço.
Cá está ele, molhado em rubro.
Dói o ombro, mas sobre o ombro
tua justiça resplandece.
Já podes sorrir, tua boca
moldar-se em beijo de amor.
Beijo-te, irmão, minha dívida
está paga.
Fizemos as contas, estamos alegres.
Tua lâmina corta, mas é doce,
a carne sente, mas limpa-se.
O sol eterno brilha de novo
e seca a ferida.

Mutilado, mas quanto movimento
em mim procura ordem.
O que perdi se multiplica
e uma pobreza feita de pérolas
salva o tempo, resgata a noite.
Irmão, saber que és irmão,
na carne como nos domingos.
Rolaremos juntos pelo mar…
Agasalhado em tua vingança,
puro e imparcial como um cadáver que o ar embalsamasse,
serei carga jogada às ondas,
mas as ondas, também elas, secam,
e o sol brilha sempre.
Sobre minha mesa, sobre minha cova, como brilha o sol!
Obrigado, irmão, pelo sol que me deste,
na aparência roubando-o.
Já não posso classificar os bens preciosos.
Tudo é precioso…
e tranquilo
como olhos guardados nas pálpebras.


via: 
https://incensofossemusica.wordpress.com/2011/09/15/movimento-da-espada/

Não Tenho Pressa, de Alberto Caeiro, heterónimo de Pessoa

Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

Via: http://www.citador.pt/poemas/nao-tenho-pressa-alberto-caeirobrheteronimo-de-fernando-pessoa

terça-feira, 11 de junho de 2019

alguns poemas de Safo

dois poemas em [tradução Haroldo de Campos], em “Crisantempo: no espaço curvo nasce um”. de Haroldo de Campos. São Paulo: Perspectiva, 2004:

Safo – Fr. 5
morto o doce adônis
e agora citeréia
que nos resta?
lacerai os seios donzelas
dilacerai as túnicas

^^
*
^^

gênese do poema
vem
lira quelônia
divina:
vira
sompoema

--
.
--

dois poemas em “Poemas da Antologia Grega ou Palatina, séculos VII a.C. a V a.c”. [seleção, tradução, notas e prefácio José Paulo Paes]. São Paulo: Companhia das Letras, 1995:

VII: 489
Eis as cinzas de Timas: morta pouco antes de casar-se,
Perséfone a acolheu em seu quarto sombrio.
Assim que ela morreu, as amigas, tão jovens quanto ela,
cortaram-se os cabelos com ferro afiado.

^^
*
^^


VII: 505
Menisco, pai de Pelagon, pescador, deixou-lhe na tumba
rede e remo, mementos de sua vida mísera.



via: https://www.revistaprosaversoearte.com/safo-poemas/

domingo, 2 de junho de 2019

[into the strenuous briefness], de e.e. cummings



i smilingly
glide.  I
into the big vermilion departure
swim, sayingly;

(Do you think?)the
i do,world
is probably made
of roses & hello:

(of solongs and,ashes)


via luana marinho