Fiquei muito tempo a passar colírio
antes de escrever esse poema
sobre o que eu sinto por você
o que eu sinto por você vive em mim
como rosas nos poemas
podem ser cafonas
ou o sopro da primavera antevista
na véspera no voo da andorinha
na alergia a pólen
desaparecida desde que mudei de hemisfério
aprendi a usar certos truques
entretanto estou só na cidade
céu cor de zinco dia sim
dia não eu já te esqueci
é repentino — você volta
enquanto coloco as roupas pra lavar
imagino repetidamente uma mesma frase
não diz muito mais que um arroubo
uma cereja na boca quente
quero passar pela tua boca
com o calor eu ando pela rua
com o calor dos órgãos vitais entre os dentes
ouvindo um amigo cantar Waly
pertinho de mim
há certas articulações
palavras que caminham como formigas
podemos observá-las
numa artilharia lenta ao açucareiro
onde o que eu sinto por você resiste
meio agridoce
cansado pela canela e apaixonado pelo pescoço
o que eu sinto por você vive em mim
nas técnicas de luta corpo a corpo
nas químicas pra exterminar insetos
nos falares dos golfinhos assobiando
há quem desconfie desse discurso como autobiográfico
há quem desconfie desse discurso como nonsense
há quem escreva esse discurso
há anos estou dizendo a mesma coisa:
carta, estrela, destino, dentes e cavalos
no fundo o que importa é dedicar-se ao substantivo certo
quanto menos pronomes melhor
podemos agradecer a essa língua
onde se pode dizer
eu com um verbo
ele com o mesmo verbo
conjugando diferente
amar ou amando
de quem?
A dádiva ao ar das magnólias
numa noite qualquer dessas
enquanto espero.
via: facebook da autora
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