quarta-feira, 16 de setembro de 2020

[a poesia é para comer], de Natália Correia

 [Natália Correia nasceu a 13 de Setembro de 1923]


Senhores jurados sou um

poeta um multipétalo uivo um defeito e ando com

uma camisa de vento ao contrário do esqueleto

Sou um vestíbulo do impossível um lápis de

armazenado espanto e por fim com a paciência dos versos

espero viver dentro de mim Sou em código o azul

de todos (curtido couro de cicatrizes) uma

avaria cantante na maquineta dos felizes

Senhores banqueiros sois a cidade o vosso enfarte

serei não há cidade sem o parque do sono que

vos roubei Senhores professores que puseste

a prémio minha rara edição de raptar-me em

crianças que salvo do incêndio da vossa lição

Senhores tiranos que do baralho de em pó volverdes

sois os reis sou um poeta jogo-me aos dados

ganho as paisagens que não vereis Senhores

heróis até aos dentes puro exercício de ninguém

minha cobardia é esperar-vos umas estrofes mais

além Senhores três quatro cinco e sete que

medo vos pôs na ordem ? que pavor fechou o leque

da vossa diferença enquanto homem ? Senhores

juízes que não molhais a pena na tinta da natureza

não apedrejeis meu pássaro sem que ele cante

minha defesa Sou uma impudência a mesa posta

de um verso onde o possa escrever ó

subalimentados do sonho ! a poesia é para comer.



Via opoemaensinaacair

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