sexta-feira, 21 de maio de 2021

Descendência, de Mariana Ianelli

 Sou o poema tresmalhado

Que um lobo traz à boca

Como prêmio

De um passeio ao campo.


Vive em mim

O irmão mais velho

Debruçado sobre o chão

Cavando, cavando com as unhas.


Aqui uma cidade se levanta,

Força e música,

Já a prostituta distribui

Os seus encantos.


Uma primeira espada

Deslizando

E há o deserto em mim,

Que seca todo pranto.


Morre aqui eternamente

O ladrão do fogo,

Morre Abel, a cada verso

A terra faz ouvir seu sangue.


O animal que há milênios

Me carrega

Tem a marca

Da educação pela sombra.




via: https://rascunho.com.br/noticias/mariana-ianelli/

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Manifesto Populista, de Lawrence Ferlinghetti, tradução de Leonardo de Magalhaens

Poetas! Dêem o fora de seus gabinetes,

abram suas janelas, abram suas portas,

vocês já ficaram muito tempo no fundo

de seus mundos fechados.

Venham, desçam

de suas Colinas Russas e Colinas Telegráficas,

suas Colinas do Farol e suas Colinas da Capela,

seus Montes Analógicos e Montes Parnasos,

desçam de suas colinas e montanhas,

fora de suas tendas e domos.

As árvores são derrubadas

e nós não voltaremos para as florestas.

Não há tempo para ficar sentado

quando o homem queima sua própria casa

para assar seu porco

Nada de cantar Hare Khrishna

enquanto Roma queima.

San Francisco está queimando,

a Moscou de Maiakovski está queimando

os combustíveis-fósseis da vida.

Noite e o Cavalo aproximam-se

devorando luz, calor e poder,

e as nuvens têm calças.

Não há tempo para o artista se esconder

acima, além, debaixo dos cenários,

indiferente, aparando suas unhas,

refinando-se fora da existência.

Não há tempo para os nossos joguinhos literários,

não há tempo para nossas paranóias e hipocondrias,

não há tempo para medo e náusea,

há tempo somente para luz e amor.

Temos sido as melhores mentes de nossa geração

destruídas pelo tédio das leituras poéticas.

Poesia não é uma sociedade secreta,

muito menos um templo.

Palavras secretas e cânticos não interessam.

A hora de profetizar já passou,

o tempo de entusiasmo chegou,

um tempo para entusiasmo e alegria

sobre o vindouro final

da civilização industrial

que é péssima para a Terra e o Homem.

É hora de olhar pra fora

na completa posição de lótus

com olhos bem abertos,

É hora de abrir suas bocas

com um novo discurso aberto,

É hora de comunicar com todos os seres sensíveis,

Todos vocês ‘Poetas das Cidades’

pendurados em museus incluindo a mim mesmo,

Todos vocês poetas de poetas escrevendo poesia

sobre poesia,

Todos vocês poetas de oficinas de poesia

no coração farrista da América

Todos vocês arrombados Ezra Pounds

Todos vocês remotos estanhos excluídos poetas,

Todos vocês estressados poetas do Concreto,

Todos vocês poetas lambedores-de-cu,

Todos vocês poetas de toilete gemendo com grafite,

Todos vocês gigantes de trem classe A que nunca gingam

em vasos de plantas

Todos vocês da serraria nas Sibérias da América,

Todos vocês irrealistas sem-olhos,

Todos vocês auto-ocultados supersurrealistas,

Todos vocês visionários de quarto e agitadores-propagandistas

de gabinete,

Todos vocês poetas Groucho Marxistas

e camaradas da classe-desocupada

que descansam o dia todo e discutem sobre o proletariado,

todos vocês católicos anarquistas da poesia,

Todos vocês Black Montanhistas da poesia,

Todos vocês bucólicos Brahims e Bolinas de Boston,

Todos vocês mães-reclusas da poesia,

Todos vocês irmãos-zen da poesia,

Todos vocês amantes suicidas da poesia,

Todos vocês cabeludos professores da poesia,

Todos vocês resenhistas de poesia

bebendo o sangue do poeta,

Todos vocês Polícia da Poesia –

Onde estão as selvagens crianças de Whitman,

onde as grandiosas vozes se expressam

com um sentido de doçura e sublimidade,

onde a grandiosa nova visão,

a grandiosa visão-mundial,

a elevada canção profética

da imensa terra

e tudo o que canta nela

e nossa relações com ela ?

Poetas, desçam

para as ruas do mundo outra vez

E abram suas mentes e olhos

com o antigo deleite visual,

limpem suas goelas e falem,

Poesia está morta, vida longa à poesia

com olhos terríveis e força de búfalo.

Não esperem a Revolução

ou que aconteça sem vocês,

Parem de murmurar e falem alto

com uma nova poesia ampla

com um nova comum-sensual ‘superfície pública’

com outros níveis subjetivos

ou outros níveis subversivos,

um afinado garfo no ouvido íntimo

a golpear sob a superfície.

De seus próprios suaves Eus ainda cantam

Ainda completo ‘a palavra em massa’

‘Poesia o comum condutor

para o transporte do público

aos lugares mais elevados

que outras rodas podem conduzir.

Poesia ainda precipita-se dos céus

em nossas ruas ainda livres.

Eles não ergueram as barricadas, ainda,

as ruas ainda vivem com as faces,

amáveis homens e mulheres ainda caminham,

ainda amáveis criaturas por todos os lugares,

nos olhos de todos o segredo de todos

ainda enterrados lá,

as selvagens crianças de Whitman ainda dormem lá,

despertam e caminham livremente.


Em: http://leoleituraescrita.blogspot.com/2009/08/lawrence-ferlinghetti-manifesto.html?m=1

conheci na oficina do poeta Rico Lopes hoje mesmo

poema original em http://www.poemhunter.com/best-poems/lawrence-ferlinghetti/populist-manifesto-no-1/


domingo, 16 de maio de 2021

Eu era gases puro, de Stela do Patrocínio

eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo

eu era ar, espaço vazio, tempo

e gazes puro, assim, ó, espaço vazio, ó

eu não tinha formação

não tinha formatura

não tinha onde fazer cabeça

fazer braço, fazer corpo

fazer orelha, fazer nariz

fazer céu da boca, fazer falatório

fazer músculo, fazer dente

eu não tinha onde fazer nada dessas coisas

fazer cabeça, pensar em alguma coisa

ser útil, inteligente, ser raciocínio

não tinha onde tirar nada disso

eu era espaço vazio puro




via camila leite no face

terça-feira, 11 de maio de 2021

To live in the borderlands, by Gloria Anzaldua

To live in the borderlands means you

are neither hispana india negra espanola

ni gabacha, eres mestiza, mulata, half-breed

caught in the crossfire between camps

while carrying all five races on your back

not knowing which side to turn to, run from;

To live in the Borderlands means knowing that the india in you, betrayed for 500 years,

is no longer speaking to you,

the mexicanas call you rajetas, that denying the Anglo inside you

is as bad as having denied the Indian or Black;

Cuando vives en la frontera

people walk through you, the wind steals your voice,

you’re a burra, buey, scapegoat,

forerunner of a new race,

half and half-both woman and man, neither-a new gender;

To live in the Borderlands means to

put chile in the borscht,

eat whole wheat tortillas,

speak Tex-Mex with a Brooklyn accent;

be stopped by la migra at the border checkpoints;

Living in the Borderlands means you fight hard to

resist the gold elixir beckoning from the bottle,

the pull of the gun barrel,

the rope crushing the hollow of your throat;

In the Borderlands

you are the battleground

where enemies are kin to each other;

you are at home, a stranger,

the border disputes have been settled

the volley of shots have scattered the truce

you are wounded, lost in action

dead, fighting back;

To live in the Borderlands means

the mill with the razor white teeth wants to shred off

your olive-red skin, crush out the kernel, your heart

pound you pinch you roll you out

smelling like white bread but dead;

To survive the Borderlands

you must live sin fronteras

be a crossroads.



via Lidia

Porque eu não pude parar para a Morte, de Emily Dickinson, tradução de Henry Alfred Bugalho

Porque eu não pude parar para a Morte –

Ela gentilmente parou para mim –

Na Carruagem, apenas nós –

E a Imortalidade.


Nós viajamos lentamente – Ela não tinha pressa

E eu tive de pôr de lado

Meu trabalho e meu lazer,

Por Delicadeza –


Passamos pela Escola, onde Crianças se exercitavam

No Recreio – no Pátio –

Passamos pelos Campos dos Grãos Maduros –

Passamos pelo Sol Poente –


Ou melhor – Ele passou por nós –

O Orvalho veio tremulante e cálido –

Apenas como Fina Trama, minhas Vestes –

Meu Xale – apenas Tule –


Estacamos diante duma Casa que parecia

Uma Elevação do Solo –

Do Telhado pouco se via –

A Cornija – a tocar o Chão –


Desde então – por Séculos – e ainda

Mais breve que o Dia

Constatei que as Cabeças dos Cavalos

Voltavam-se para a Eternidade – 



enviado por aluno do cepae

link: http://www.revistasamizdat.com/2008/10/poemas-de-emily-dickinson.html

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Dentro da perda da memória, de João Cabral de Melo Neto

Dentro da perda da memória

uma mulher azul estava deitada

que escondia entre os braços

desses pássaros friíssimos

que a lua sopra alta noite

nos ombros nus do retrato.

E do retrato nasciam duas flores

(dois olhos dois seios dois clarinetes)

que em certas horas do dia

cresciam prodigiosamente

para que as bicicletas de meu desespero

corressem sobre seus cabelos.

E nas bicicletas que eram poemas

chegavam meus amigos alucinados.

Sentados em desordem aparente,

ai-los a engolir regularmente seus relógios

enquanto o hierofante armado cavaleiro

movia inutilmente seu único braço.



via isali

via http://www.apocaodepanoramix.com.br/dentro-da-perda-da-memoria-de-joao-cabral-de-melo-neto/