quarta-feira, 7 de julho de 2021

Poemas de Maria do Carmo Ferreira

 


A QUEM INTERESSAR POSSA


Um pessoa

do sexo

feminino

38 anos

1,65

66 kg

sem lar

sem filhos

sem família

sem negócios

sem esperança

com 108 contos

na poupança.


Garante que possui

matéria-prima

para literatura

teatro

baby-sitter

trabalhos manuais.

Gosta de música.

Chega a tocar

de ouvido.

Conhece inglês

e línguas neo-latinas.

É boa datilógrafa.

Cozinha o trivial.

Prefere a natureza

à vida na cidade.

Amor, quase não faz

porém se adapta sem-

pre ao item men-

cionado.


Falta-lhe alma

um sopro que a reanime.

Se veleidades tem

é de sentir-se real.

Vive

por força

de viver

mas corre o risco

de se deixar morrer

sem que se dê


POR ISSO

oferece-se a quem

interessar possa

uma coisa

uma causa

uma pessoa

alguém

um problema social:

o caso dessa moça.


*


AUTO-RETRATO


Nasci no rame-rame das abóboras.

Meu plano é horizontal. Vivo de cócoras.


Se me ergo, me espatifo. A gravidade

colou meu ser ao chão: cresço à vontade.


A crosta é dura. No corpo volumoso

a polpa é só fartura e paga o esforço


de rastejar como uma tartaruga

e refletir ao sol minha armadura.


Uma fome objetiva me devora

como a dos porcos que não comem pérolas


ou a dos pobres que não comem porcos.

Com ou sem sal, metáfora ou pletora


viro alimento no momento justo.

Ao fogo brando e lento mais me aguço.


Não sinto a tentação das ramas altas:

maracujá, chuchu, nada me exalta.


Nem mesmo a solidão das uvas verdes

quando o desdém dos homens as prescreve.


No ventre universal ocupo um espaço.

A vida faz-se em mim. Vegeto, e passo.




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Via Ricardo Domeneck

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