domingo, 18 de julho de 2010

última de barros (extraído de Uma Didática da Invenção)

I
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com
faca
b) 0 modo como as violetas preparam o dia
para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas
vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência
num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega 
mais ternura que um rio que flui entre 2
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
Etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.


(...)

IX
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.



fonte: http://www.revista.agulha.nom.br/manu.html#didatica

manoel de barros, (extraídos de Mundo Pequeno)

V
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.

VI
Toda vez que encontro uma parede
ela me entrega às suas lesmas.
Não sei se isso é uma repetição de mim ou das lesmas.
Não sei se isso é uma repetição das paredes ou de mim.
Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes?
Parece que lesma só é uma divulgação de mim.
Penso que dentro de minha casca
não tem um bicho:
Tem um silêncio feroz.
Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra.




fonte: 
http://www.revista.agulha.nom.br/manu.html#mundo

mais manoel de barros (extraído de Seis ou Treze Coisas que Aprendi Sozinho)

Em passar a sua vagínula sobre as
pobres coisas do chão,
a lesma deixa risquinhos líquidos...
a lesma influi muito em meu desejo de
gosmar sobre as palavras
nesse coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma
Esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma
Pedra a lesma escorre...
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver.






extraído de:
http://www.revista.agulha.nom.br/manu.html#seis

O Livro sobre Nada, Manoel de Barros

O Livro sobre Nada
Manoel de Barros

  • Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.
  • Tudo que não invento é falso.
  • Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
  • Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
  • É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
  • Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas se não desejo contar nada, faço poesia.
  • Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.
  • A inércia é o meu ato principal.
  • Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
  • O artista é um erro da natureza.  Beethoven foi um erro perfeito.
  • A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
  • Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
  • Por pudor sou impuro.
  • Não preciso do fim para chegar.
  • De tudo haveria de ficar para nós um sentimento longínquo de coisa esquecida na terra — Como um lápis numa península.
  • Do lugar onde estou já fui embora.

Orson Welles, em O Terceiro Homem

"Na Itália, por trinta anos sob os Bórgias, eles tiveram guerra, terror, assassinato e derramamento de sangue, mas produziram Michelangelo, Leonardo da Vinci e a Renascença. Na Suíça, eles tiveram amor fraternal, quinhentos anos de democracia e paz, e o que eles produziram? O relógio-cuco.” 

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O Artista, Oscar Wilde

(do Poemas em Prosa)

O Artista
    Um dia, despertou-lhe na alma o desejo de esculpir uma estátua do Prazer que dura um instante. E partiu pelo mundo, à procura do bronze, porque ele só podia trabalhar o bronze. Mas todo o bronze existente no mundo havia desaparecido e em nenhuma parte o metal seria encontrado, a não ser na estátua da Da dor que é permanente.
    E fora ele que, com as próprias mãos fundira essa estátua, erigindo-a no túmulo de alguém a quem muito amara na vida. E na tumba da morta, que tanto amara, colocou a própria criação, como um símbolo do amor masculino, que é imortal, e a dor humana, que dura a vida inteira.
    E, em todo o mundo, não havia bronze a não ser o dessa estátua.
    Ele então, retirou a estátua que moldara e a pôs num grande forno, deixando-a derreter-se.
    E com o bronze da estátua da Da dor que é permanente, fundiu a do Prazer que dura um instante.

O Discípulo, Oscar Wilde

(extraído de Poemas Em Prosa)

O Discípulo
    Quando Narciso morreu, a taça de água doce que era o lago dos seus prazeres, converteu-se em taça de lágrimas amargas e as Oréadas vieram carpindo pelos bosques a fim de cantar para ele, consolando-o.
    E, quando perceberam que o lago se transmudara de taça de água doce noutra de lágrimas amargas, desgrenharam as tranças verdes dos seus cabelos e disseram:
    _Não nos admiramos que pranteeis Narciso dessa maneira. Ele era tão belo!
    _Narciso era belo? - indagou o lago.
    _Quem o sabe melhor do que vós? - responderam as Oréadas. Ao cortejar-vos, ele nos desprezava debruçado às vossas margens mirando-vos, e, no espelho de vossas águas, contemplava a própria beleza.
    E o lago retrucou:
   _Eu amava Narciso porque, quando ele se debruçava sobre as minhas margens para contemplar-me, eu via sempre refletir-se no espelho dos seus olhos a minha própria beleza.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Baricco, apanhados por Aline

"É como uma sentinela - isso é preciso compreender - em pé, defendendo aquela porção de mundo da invasão silenciosa da perfeição."
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"Queria dizer que eu a quero, a vida, faria qualquer coisa pra poder tê-la, toda a vida que há, tanto de enlouquecer dela, não importa, posso até enlouquecer, mas a vida, esta eu não quero perdê-la, eu a quero, realmente, mesmo que fosse uma dor de matar, o que eu quero é viver."
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"O mar imenso, o oceano mar, que corre infinito para além de qualquer olhar, o imane mar onipotente - há um lugar onde ele termina, e um instante-, o imenso mar, um lugar pequeníssimo e um instante de nada."
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"Tinha aquela beleza de que só os vencidos são capazes. E a limpidez das coisas frágeis. E a solidão, perfeita, do que se perdeu."
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"Era um homem de certo espírito prático: já que estava ali, no ar, resolveu voar."
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"Inacreditável. Sério. De se ficar ali uma vida, sem entender nada. Mas continuando a olhar."
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"E para sempre nós, que conhecemos as coisas verdadeiras, para sempre, nós filhos do horror, para sempre, nós supérstites do ventre do mar, para sempre, nós sábios e sensatos, para sempre seremos inconsoláveis. Inconsoláveis."
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"A música certa para que haja uma dança"
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"..tenho tantos caminhos ao redor e nenhum dentro"
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"Você se desvencilha de tudo, medos, sentimentos, desejos: você os guarda, como roupas que já não usa, no armário de uma sabedoria desconhecida, e de uma paz inesperada."
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"É um modo de perder tudo, para tudo encontrar."
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"A gente tem um sonho, coisas pessoais, íntimas, e depois a vida não topa brincar junto, e o desmonta, um instante, uma frase, tudo se desfaz. Acontece."

a montanha mágica, de Mann: dois trechos

"Protestou em nome do espírito e da razão contra esse escandaloso excesso da natureza que vitimou três quartas partes de uma florescente cidade e milhares de vidas humanas... O senhor fica pasmado? Sorri? Que pasme, mas, quanto ao sorriso, tomo liberdade de censurá-lo. A atitude de Voltaire era a de um autêntico descendente daqueles antigos gauleses que atiravam as suas flechas contra o céu. (...) Pois a natureza é o poder, e aceitar o poder, conformar-se com ele - repare bem: conformar-se intimamente com ele, é servil!"



"Eu me sentia diferente; era uma sensação totalmente estranha que nunca antes experimentara. Já não foi fácil chegar até em casa, e depois não acreditei nos meus próprios olhos. Tinha as pernas geladas, sabe? Um suor frio por todo o corpo; o rosto branco omo um lençol; o coração com toda espécie de crises; o pulso ora fininho que nem um fio e mal perceptível, ora galopando a rédea solta; compreende? E o cérebro numa agitação louca... Eu tinha certeza de que dançava minha última dança. Falo em dança, porque é o termo que então me ocorreu, e que empreguei, falando com meus botões, para caracterizar o meu estado. Pois, no fundo, achei a coisa formidável; pareceu-me uma verdadeira festa, embora eu tivesse um medo terrível. Mais exatamente, eu era todo medo, dos pés à cabeça. Olhe, o medo e a alegria não se excluem, como todo o mundo sabe. Um rapaz que está a ponto de possuir pela primeira vez uma garota, também treme de medo, e ela não menos. E todavia se desmancham de prazer."

a queda, albert camus

"Comigo não se abençoa, não se distribui absolvição. Faz-se a conta, simplesmente, e depois: 'Dá tanto. O senhor é um pervertido, um sátiro, um mitômano, um pederasta, um artista etc.'"

terça-feira, 6 de julho de 2010

w. b. yeats, high talk

Processions that lack high stilts have nothing that catches the eye.
What if my great-granddad had a pair that were twenty foot high,
And mine were but fifteen foot, no modern Stalks upon higher,
Some rogue of the world stole them to patch up a fence or a fire.
Because piebald ponies, led bears, caged lions, ake but poor shows,
Because children demand Daddy-long-legs upon This timber toes,
Because women in the upper storeys demand a face at the pane,
That patching old heels they may shriek, I take to chisel and plane.

Malachi Stilt-Jack am I, whatever I learned has run wild,
From collar to collar, from stilt to stilt, from father to child.
All metaphor, Malachi, stilts and all. A barnacle goose
Far up in the stretches of night; night splits and the dawn breaks loose;
I, through the terrible novelty of light, stalk on, stalk on;
Those great sea-horses bare their teeth and laugh at the dawn.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

quintana, não sei se tem título

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...