sexta-feira, 1 de outubro de 2010

História do Olho, Georges Bataille, trechos

Sir Edmond e eu, disfarçados com barbas pretas, e Simone usando um ridículo chapéu de seda negra com flores amarelas, deixamos Sevilha num carro alugado. A cada cidade nova que entrávamos, mudávamos nossos personagens. Atravessamos Ronda vestidos de padres espanhóis, com chapéus de feltro preto aveludado, envolvidos em nossas capas e fumando, virilmente, grossos charutos; Simone, com roupa de seminarista, mais angélica do que nunca.

Desaparecemos assim, para sempre, da Andaluzia, lugar de terra e céu amarelos, imenso penico afogado em luz, onde, a cada dia e a casa novo personagem, eu violava uma nova Simone, sobretudo por volta do meio-dia, no chão, ao sol, sob os olhos avermelhados de Sir Edmond.

No quarto dia, o inglês comprou um iate em Gibraltar.

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Nasci de um pai sifilítico (tabético). Ficou cego (já o era ao me conceber) e, quando eu tinha uns dois ou três anos, a mesma doença o tornou paralítico. Em menino, adorava aquele pai. Ora, a paralisia e a cegueira tinham, entre outras, estas conseqüências: ele não podia, como nós, urinar no banheiro; urinava em sua poltrona, tinha um recipiente para esse fim. Mijava na minha frente, debaixo de um cobertor que ele, sendo cego, não consegui arrumar. O mais constragedor, aliás, era o modo como me olhava. Não vendo nada, sua pupila, na noite, perdia-se no alto, sob a pálpebra: esse movimento acontecia geralmente no momento de urinar. Ele tinha uns olhos grandes, muito abertos, num rosto magro, em forma de bico de águia. Normalmente, quando urianava, seus olhos ficavam quase brancos; ganhavam então uma expressão fugidia; tinham por único objeto um mundo que só ele podia ver e cuja visão provocava um riso ausente. Assim, é a imagem desses olhos brancos que eu associo à dos ovos quando, no decorrer da narrativa, falo do olho ou dos ovos, e urina geralmente aparece.


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Só puderam recobrar vidas deformadas, irreconhecíveis e ganhando, no decorrer de sua transformação, um sentido obsceno.

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Morre como quem faz amor, porém na pureza (casta) e na imbecilidade da morte: a febre e a agonia transfiguram. O carrasco a agride, ela permanece indiferente às pancadas, indiferente às palavras da devota, perdida no trabalho de agonia. Não se trata  de forma alguma, de um gozo erótico, é muito mais que iso. Mas sem saída. Também não se trata de masoquismo e, profundamente, essa exaltação é maior de que tudo o que a imaginação pode representar, ultrapassa tudo. Porém, ela se funda na solidão e na ausência de sentido.

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