sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O Artista, Homem do Mundo, Homem das Multidões e Criança, (em Sobre a Modernidade), Charles Baudelaire

Quero falar hoje de um homem singular, orginalidade tão poderosa e tão decidida que se basta a si própria e não busca sequer a aprovação de outrem. Nenhum de seus desenhos é assinado, se chamarmos assinatura essas poucas letras, passíveis de falsificação, que representam um nome, e que tantos apõem faustosamente embaixo de seus croquis mais insignificantes. Porém, todas as suas obras são assinadas com sua alma resplandacente, e os amadores que as viram e apreciaram as reconhecerão sem dificuldade na descrição que delas pretendo fazer. Enamorado pela multidão e pelo incógnito, C.G. leva a originalidade às raias da modéstia. Thackeray, que, como se sabe, interessa-se bastante pelas coisas de arte e desenha ele próprio as ilustrações de seus romances, um dia discorreu sobre G. num folhetim de Londres. G. irritou-se com o fato, como se se tratasse de um ultraje a seu pudor. Ainda recentemente, quando soube que eu me propunha fazer uma apreciação de seu espírito e talento, suplicou-me, de uma maneira muito imperiosa, que seu nome fosse suprimido e que só falasse das obras como obras de um anônimo. Obdecerei humildemente a esse estranho desejo. Fingiremos acreditar, o leitor e eu, que G. não existe e trataremos de seus desenhos e aquarelas, pelos quais ele professa um desdém aristocrático, agindo como esses pesquisadores que tivesse de julgar preciosos documentos históricos, fornecidos pelo acaso, e cujo autor devesse permanecer eternamente desconhecido. Inclusive, para apaziguar completamente minha consciência, vamos supor que tudo quanto tenho a dizer sobre sua natureza, tão curiosa e misteriosamente brilhante, é justamente sugerido, mais ou menos, pelas obras em questão; pura hipótese poética, conjetura, trabalho de imaginação.

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