quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Rainer Maria Rilke, Cartas a Um Jovem Poeta, 12 de agosto de 1904, trechos

"Quanto mais tranqüilos, pacientes e receptivos formos quando estamos tristes, tanto mais profundo e mais firme o modo como o novo entra em nós, tanto mais fazemos por merecê-lo, tanto mais ele se torna o nosso destino."

"Voltando ao assunto da solidão, fica cada vez mais claro que no fundo ela não é nada que se possa escolher ou abandonar. Somos solitários. É possível iludir-se a esse respeito e agir como se não fôssemos. É tudo. Muito melhor, porém, é perceber que somos solitários, e partir exatamente daí. Com certeza acontecerá de sentirmos vertigens, pois todos os pontos em que nossos olhos costumavam descansar nos são tirados, não há mais nada próximo, e toda distância é uma distância infinita. Quem fosse retirado de seu quarto, quase sem preparação ou transição, e posto nas alturas de uma grande montanha, necessariamente sentiria algo semelhante: uma insegurança, um abandono ao inominável quase o aniquilariam. Ele pensaria estar caindo ou sendo arrastado pelos ares ou destroçado em mil pedaços. Seu cérebro precisaria inventar uma mentira enorme para captar e esclarecer a situação de seus sentidos."


"No fundo é esta a única coragem que se exige em nós: sermos corajosos diante do que é estranho, mais maravilhoso e mais inexplicável entre tudo com que nos deparamos."

"Contudo, é muito mais humana do que essa segurança aquela incerteza, cheia de perigos, que leva os prisioneiros dos contos de Poe a tatearem as formas de seus cárceres aterrorizantes e a não serem alheios aos horrores indizíveis de sua permanência ali."

"E no entanto nós não somos prisioneiros. Não há armadilhas e emboscadas armadas em torno de nós, nada que nos devesse angustiar ou perturbar. Estamos lançados na vida como no elemento ao qual correspondemos melhor, além disso nos tornamos, por meio de uma adaptação de milhares de anos, tão semelhantes a essa vida que, por um mimetismo afortunado, se nos mantivermos quietos, quase não nos diferenciaremos daquilo que nos cerca. Não temos motivo algum para desconfiar de nosso mundo, pois ele não está contra nós. Caso possua terrores, são nossos terrores; caso surjam abismos, esses abismos pertencem a nós; caso existam perigos, então precisamos aprender a amá-los."

"Como poderíamos esquecer aqueles antigos mitos que se encontram nos primórdios de todos os povos, os mitos sobre os dragões que, no último momento, transformam-se em princesas; talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas, que só esperam nos ver um dia belos e corajosos."

"É preciso ter paciência como um doente e ter confiança como um convalescente, pois talvez o senhor seja ambas as coisas. Mais ainda: o senhor também é o médico que tem de tratar de si mesmo. Mas em toda doença há muitos dias em que o médico não pode fazer nada além de esperar. E é isso, mais do que qualquer coisa, que o senhor, por ser seu próprio médico, precisa fazer agora."

"Em geral, é preciso ter muito cuidado com os nomes; muitas vezes é o nome de um crime que destrói uma vida, e não a própria ação, pessoal e inominada, que talvez fosse uma necessidade muito determinada dessa vida e pudesse ser acolhida sem esforço por ela."



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