terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O Abutre, duas traduções, de Kafka.

Era um abutre que me dava grandes bicadas nos pés. Tinha já dilacerado sapatos e meias e penetrava-me a carne. De vez em quando, inquieto, esvoaçava à minha volta e depois regressava à faina. Passava por ali um senhor que observou a cena por momentos e me perguntou depois como eu podia suportar o abutre.

- É que estou sem defesa – respondi – Ele veio e atacou-me. Claro que tentei lutar, estrangulá-lo mesmo, mas é muito forte, um bicho destes! Ia até saltar-me à cara, por isso preferi sacrificar os pés. Como vê, estão quase despedaçados.

- Mas deixar-se torturar dessa maneira! – disse o senhor – Basta um tiro e pronto!

- Acha que sim? – disse eu – Quer o senhor disparar o tiro?

- Certamente – disse o senhor – É só ir a casa buscar a espingarda. Consegue aguentar meia hora?

- Não sei lhe dizer. – respondi.

Mas sentindo uma dor pavorosa, acrescentei:

- De qualquer modo, vá, peço-lhe.

- Bem – disse o senhor – Vou o mais depressa possivel.

O abutre escutara tranquilamente a conversa, fitando-nos alternadamente. Vi então que ele percebera tudo. Elevou-se com um bater de asas e depois, empinando-se para tomar impulso, como um lançador de dardo, enfiou-me o bico pela boca até ao mais profundo do meu ser. Ao cair senti, com que alívio, que o abutre se engolfava impiedosamente nos abismos infinitos do meu sangue.

(fonte: http://conselheiroacacio.wordpress.com/2008/08/11/o-abutre-franz-kafka/)


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Um abutre golpeava-me os pés com o bico. Já tinha rasgado e despedaçado as minhas botas e meias e agora ia debicando os meus pés. Investia contra eles repentinamente, depois voava em círculos, irrequieto, à minha volta, para depois regressar e continuar o trabalho. Passou então por mim um cavalheiro, observou a cena durante uns instantes, depois perguntou-me porque razão eu suportava aqueles truques. "Não consigo defender-me", respondi. "Quando o abutre veio e me começou a atacar, claro que tentei enxotá-lo, tentei mesmo estrangulá-lo, mas estes animais são muito fortes, ele estava prestes a investir contra a minha cara, por isso preferi sacrificar os pés. Agora estão quase feitos em pedaços". "Imagine-se uma pessoa deixar-se torturar assim!", disse o senhor. "Basta um tiro e é o fim do abutre." "A sério?", perguntei eu. "E o senhor faria isso?" "Com prazer, replicou o cavalheiro. "Tenho apenas de ir a casa buscar a minha arma. Seria capaz de esperar mais meia hora?" "Não tenho a certeza se consigo, disse eu, e levantei-me por um momento, hirto de dor. Acrescentei então: "Em todo o caso tente, por favor." "Muito bem, disse o cavalheiro." Vou o mais depressa que puder." Durante esta conversa o abutre tinha estado calmamente à escuta, passeando o olhar entre mim e o cavalheiro. Apercebi-me agora que ele compreendera tudo. Levantou então voo, afastou-se bastante para ganhar ímpeto e depois, como um lançador de dardo, mergulhou o bico na minha boca, pela garganta abaixo, penetrando fundo no meu corpo. Caindo para trás, fiquei aliviado quando senti que a ave se afogava irrecuperavelmente no meu sangue, sangue que enchia todas as profundezas e inundava todas as terras.

(fonte: http://queridobestiario.blogspot.com/2009/06/o-abutre-fanz-kafka.html)

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