domingo, 17 de maio de 2020

mar becker

hoje: em memória de todos aqueles que estamos perdendo - mas que não se vão jamais

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os mortos continuam morrendo
entre nós

passam-se dias, e ainda se veem fios de cabelos na escova

passam-se meses, até anos
e o pedaço de papel que foi deixado na gaveta reaparece
e pela caligrafia encontramos o pulso
e pelo pulso, o sangue

.

os mortos continuam morrendo

vão indo aos poucos, enquanto olhamos suas fotografias, seus verões passados

e vez ou outra lembramos que podemos tocar seus rostos com a ponta dos dedos

eles não se turvarão
não desaparecerão como se fossem reflexo na superfície da água

(hão de amarelar um dia, e então falaremos deles como sóis se pondo)

.

para que tenhamos onde descansar os olhos, por isso os mortos morrem assim, tão ternos

para que tenhamos altares
para que tenhamos lugares
em torno de onde
dizer alguma

palavra

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mar becker
em: primeira versão do texto de abertura do caderno dos mortos, 2017/20
imagem: domenico a. coiro


via camile

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