hoje: em memória de todos aqueles que estamos perdendo - mas que não se vão jamais
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os mortos continuam morrendo
entre nós
passam-se dias, e ainda se veem fios de cabelos na escova
passam-se meses, até anos
e o pedaço de papel que foi deixado na gaveta reaparece
e pela caligrafia encontramos o pulso
e pelo pulso, o sangue
.
os mortos continuam morrendo
vão indo aos poucos, enquanto olhamos suas fotografias, seus verões passados
e vez ou outra lembramos que podemos tocar seus rostos com a ponta dos dedos
eles não se turvarão
não desaparecerão como se fossem reflexo na superfície da água
(hão de amarelar um dia, e então falaremos deles como sóis se pondo)
.
para que tenhamos onde descansar os olhos, por isso os mortos morrem assim, tão ternos
para que tenhamos altares
para que tenhamos lugares
em torno de onde
dizer alguma
palavra
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mar becker
em: primeira versão do texto de abertura do caderno dos mortos, 2017/20
imagem: domenico a. coiro
via camile
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