BEATRIZ NASCIMENTO
(Aracaju, 1942 — Rio de Janeiro, 1995)
Antes tudo acontecesse como antes aconteceu
Não vindo como algo novo
Seduzindo o que não estava atento
Antes tudo acontecesse como o aviso do sinal
Atenção! “Está prestes a se concretizar”
E não como serpente silenciosa
Em seu silvar
Antes tudo acontecesse quando te sentisses forte
Capaz de reagir, que pudesses sangrar
Antes tudo acontecesse como se fosse o previsto
Visto de trás ou de longe
Antes que te atingisse de frente
Antes tudo acontecesse como acontecem as histórias
De encontros e rompimentos, num mergulho sem demora
Antes tudo se passasse como passa o arco-íris
Num momento luz, noutro bruma e crepúsculo.
*
Quantos caminhos percorro
A quantos choros recorro
Ao fim de cada cansaço
O que é aquela cama
Que daqui observo?
Vazia e desfeita como o acontecido?
Quantas perguntas me faço
Se certo ou errado, ou pura desatenção?
Se procedente ou contrário
Sem chegar à decisão
De abandonar de uma vez
Sonho há muito acumulado
O que é aquela cama no escuro?
Manchada de tantas culpas
Que caminham como víboras
E sugam aos poucos meu corpo?
Quem saltará sobre ela
Para ir em meu socorro?
Quantos caminhos vivi
Em quantas veredas sofri
A ânsia de ser feliz?
Como me encontro agora
Errantes como sempre foram
As sendas que escolhi.
*
À POTÊNCIA Z
Sendas abertas à força pesada
Movimento oscilante do conhecido
Irresoluto e precipitante
Como fundo falso.
No espelho véus justapostos
Ocultam o olhar como teias metálicas
Tornando o ser difuso.
Separando definitivamente o exterior do interior
Entrechocam-se e percutem fantasias antigas
Que não se miram como a um só pertencente.
E eis que surge na arena
Dançarino flamejante de intenções
Descabido como algo que desceu em terreno ocupado
Misterioso como dádiva encantada
De longínquas paragens.
Propiciador que ignorava capítulos de sua doutrina
Arrebatado qual luz da primeira hora.
Entre trevas e lusco-fusco
Ninguém saberia dizer sua “Eternia”.
De que matéria se constituía
A que missão se destinava.
Nas cores que esbanjava
A perplexidade das combinações
Sufocava os gritos de dor
Inibia os brados de alegria.
Chamejando como picantes chicotes
A volúpia luminosa impedia os sons.
Quem era aquele viajante de tantos confins?
Confinado em seus próprios gases?
*
ESPERA
Aquilo mesmo que busco
Como saída, me interrompe
Num tempo de esquecimento
Em suspenso
Suspense. Ânsia edificada no ar
Não tenho a oferecer ao outro
A não ser uma vida concluída.
A terminar. Um exílio forçado,
Não-voluntário.
Um susto, muitos riscos
Uma eterna ascensão
Um lugar não tombado
Nenhum traço de união
Só uma obra de arte
O espaço que ocupo
Completo, não despojado
Dos meus receios e temores
Dos meus ódios e amores
Do olhar dessemelhante
De qualquer ângulo em que estás.
via face, selecionadas por Ricardo Domeneck
Autora negra
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