segunda-feira, 12 de outubro de 2020

O dilema de Telêmaco + Ítaca, de Louise Glück, tradução de Pedro Gonzaga

 O dilema de Telêmaco  

Nunca consigo decidir
o que escrever
nas lápides de meus pais. Sei
o que ele quer: ele quer
amado, o que por certo
vai direto ao ponto, particularmente
se contarmos todas
as mulheres. Mas
isso deixa minha mãe
a descoberto. Ela me diz
que isto não lhe importa
para nada; ela prefere
ser representada por
suas próprias conquistas. Parece
pura falta de tato lembrar aos dois
que alguém não
honra aos mortos perpetuando
suas vaidades, suas
projeções sobre si mesmos.
Meu próprio gosto dita
precisão sem
tagarelice; eles são
meus pais, consequentemente
eu os vejo juntos,
às vezes inclinado a
marido e mulher, outras a
forças opostas.

,,,

Ítaca

O ser amado não
precisa viver. O ser amado
vive na cabeça. O tear
é para os pretendentes, suspenso
como uma harpa de brancos filamentos.

Ele era duas pessoas.
Era corpo e voz, o fácil
magnetismo de um homem vivo, e então
o sonho revelado ou a imagem
formada pela mulher manejando o tear,
ali sentada num salão cheio
de homens de mentes literais.

Se te causa pena
o mar enganado que tentou
levá-lo para sempre
e devolveu apenas o primeiro,
o verdadeiro marido, deverias
sentir pena desses homens: eles não sabem
para o que estão olhando;
eles não sabem que quando alguém ama dessa maneira
o manto se torna um vestido de casamento.

,,,,

Ítaca foi camile que me mostrou, mas sem saber quem traduziu, busquei mais e cheguei aqui:

https://veja.abril.com.br/cultura/poetisa-louise-gluck-conquista-o-nobel-de-literatura-em-2020

"A íris selvagem", de Louise Glück, tradução de Camila Assad

 "No final do meu sofrimento

havia uma saída.

Me ouça bem: aquilo que você chama de morte
eu me recordo.

Mais acima, ruídos, ramos de um pinheiro se movendo.
Então, nada. O sol fraco
cintilando sobre a superfície seca.


É terrível sobreviver
como consciência,
enterrada na terra escura.

Então tudo acabou: aquilo que você teme,
se tornando
uma alma e incapaz
de falar, encerrando abruptamente, a terra dura
se inclinando um pouco. E o que pensei serem
pássaros lançando-se em arbustos baixos.

Você que não se lembra
da passagem de outro mundo
eu te digo poderia repetir: aquilo que
retorna do esquecimento retorna
para encontrar uma voz:

do centro de minha vida veio
uma vasta fonte, azul profundo
sombras na água do mar azul. "



Via camile via https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2020/10/08/leia-poemas-traduzidos-de-louise-gluck-vencedora-do-premio-nobel-de-literatura-2020.ghtml




Erva-de-bruxa, de Louise Glück, tradução de Margarida Vale de Gato

 ERVA-DE-BRUXA


Uma coisa 

malvinda aparece no mundo

a clamar desordem, desordem –

 

Se me odeias assim tanto

não te incomodes a dar-me

nome: ou precisas

de mais um insulto 

na tua língua, outra

forma de culpabilizar

uma tribo por tudo –

 

como sabemos ambos,

quando se adora

um deus, é só preciso

Um inimigo –

 

Eu não sou o inimigo.

Apenas um esquema para tapar

o que vês a acontecer

aqui nesta cama de terra,

um pequeno paradigma

de falhar. Uma das tuas flores preciosas

morre aqui quase todos os dias

e tu não vais descansar até

atacares a causa, ou seja

tudo o que restar, tudo

o que por acaso vinga

mais do que a tua paixão pessoal —

 

Não era seu destino

durar para sempre no mundo real.

Mas para quê admiti-lo, se podes continuar 

a fazer o que sempre fazes,

a carpir e a culpabilizar,

as duas coisas sempre juntas.


Eu não preciso dos teus elogios

para sobreviver. Já aqui estava antes

de cá chegares, antes de alguma vez

teres plantado um jardim.

E aqui estarei quando só o sol e a lua

restarem, e o mar, e o campo aberto.

 

Eu formarei o campo.



via camille via opoemaensinaacair

O Encontro, de Louise Glück, USA (1943), tradução de Jorge Sousa Braga

Chegaste à beira da cama

e sentaste-te a olhar para mim.

E então beijaste-me – e eu senti

como se fosse cera quente na minha testa.

Queria que ela deixasse uma marca:

foi assim que soube que te amava.

Porque queria ser queimada, carimbada,

ficar com alguma coisa no fim -

Passei o vestido por cima da cabeça;

um rubor vermelho cobriu o meu rosto e os meus ombros.

Seguirá o seu curso, o curso do fogo,

colocando uma moeda fria na testa, entre os olhos.

Deitas-te a meu lado; a tua mão move-se sobre o meu rosto

como se também o sentisses -

apercebeste-te então, do quanto te desejava.

Saberemos sempre isso, tu e eu.

A prova será o meu corpo.



Via camile via opoemaensinaacair

A PAPOILA VERMELHA, de Louise Glück, tradução de Ricardo Marques

A melhor coisa

é não ter

cabeça. Sentimentos:

oh, esses tenho, pois eles

governam-me. Tenho

um senhor no céu

a que chamo sol, e abro-me

para ele, mostrando-lhe

o fogo do meu próprio coração, um fogo

como o da sua presença.

Que glória poderia ser essa

senão um coração? Oh, irmãos e irmãs,

terão sido como eu, há séculos,

antes de serem humanos? Ter-se-ão

deixado abrir uma vez, para 

nunca mais abrir? Porque de facto

neste instante falo

tal como vós. Falo

porque estou destruída.


Via camile via opoemaensinaacair