terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Conversa com Friedrich Nietzsche, de Adam Zagajewski, tradução de Marco Bruno

 CONVERSA COM FRIEDRICH NIETZSCHE


Excelentíssimo Senhor Friedrich,

tenho a impressão de estar a ver agora o senhor,

no terraço do sanatório, ao amanhecer,

com o nevoeiro a cair e o canto a rebentar

nas gargantas dos pássaros.


Não muito alto, a cabeça como um projéctil,

o senhor está a escrever um novo livro

e uma estranha energia flui de si:

parece que vejo os seus pensamentos como se fossem

grandes exércitos em parada


O senhor sabe que morreu a morena Anne Frank

e os seus colegas de escola e amigos, rapazes e raparigas,

os coetâneos, e as amigas dos seus amigos

e os seus primos.


Quero perguntar-lhe o que é que são as palavras, o que é

a claridade, porque é que as palavras continuam a queimar

passados cem anos, embora a terra

seja tão pesada.


É óbvio que não existe nexo entre a iluminação

e a obscura dor da crueldade.

Existem pelo menos dois reinos,

mas é possível que haja ainda mais.


No caso, porém, de não haver Deus e de nenhuma força

estabelecer conexões entre elementos antagónicos,

o que é que são então as palavras e qual é a origem

da sua luz interior?


E qual a origem da alegria? E qual o destino do nada?

Qual a morada do perdão?

Porque é que os sonhos pequenos se dissipam ao chegar do dia

enquanto os grandes continuam a crescer?



Via: opoemaensinaacair

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