terça-feira, 20 de abril de 2021

Quero escrever o borrão vermelho de sangue, de Clarice Lispectos

Quero escrever o borrão vermelho de sangue

com as gotas e coágulos pingando

de dentro para dentro.

Quero escrever amarelo-ouro

com raios de translucidez.

Que não me entendam

pouco-se-me-dá.

Nada tenho a perder.

Jogo tudo na violência

que sempre me povoou,

o grito áspero e agudo e prolongado,

o grito que eu,

por falso respeito humano,

não dei.


Mas aqui vai o meu berro

me rasgando as profundas entranhas

de onde brota o estertor ambicionado.

Quero abarcar o mundo

com o terremoto causado pelo grito.

O clímax de minha vida será a morte.


Quero escrever noções

sem o uso abusivo da palavra.

Só me resta ficar nua:

nada tenho mais a perder.



enviada por Nath na ocasião de "fazer de palavra"

via https://www.escritas.org/pt/t/5445/quero-escrever-o-borrao-vermelho-de-sangue

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