quinta-feira, 11 de março de 2021

Era manhã de Setembro, de Carlos Drummond de Andrade

 Era manhã de setembro

e

 ela me beijava o membro 


Aviões e nuvens passavam

coros negros rebramiam

ela me beijava o membro


O meu tempo de menino

o meu tempo ainda futuro

cruzados floriam junto


Ela me beijava o membro


Um passarinho cantava,

bem dentro da árvore, dentro

da terra, de mim, da morte


Morte e primavera em rama

disputavam-se a água clara

água que dobrava a sede


Ela me beijando o membro


Tudo o que eu tivera sido

quanto me fora defeso

já não formava sentido


Somente rosa crispada

o talo ardente, uma flama

aquele êxtase na grama


Ela a me beijar o membro


Dos beijos era o mais casto

na pureza despojada

que é própria das coisas dadas


Nem era preito de escrava

enrodilhada na sombra

mas presente de rainha


tornando-se coisa minha

circulando-me no sangue

e doce e lento e erradio


como beijara uma santa

no mais divino transporte

e num solene arrepio


beijava beijava o membro


Pensando nos outros homens

eu tinha pena de todos

aprisionados no mundo


Meu império se estendia

por toda a praia deserta

e a cada sentido alerta


Ela me beijava o membro


O capítulo do ser

o mistério de existir

o desencontro de amar


eram tudo ondas caladas

morrendo num cais longínquo

e uma cidade se erguia


radiante de pedrarias

e de ódios apaziguados

e o espasmo vinha na brisa


para consigo furtar-me

se antes não me desfolhava

como um cabelo se alisa


e me tornava disperso

todo em circulos concêntricos

na fumaça do universo


Beijava o membro


beijava

e se morria beijando

a renascer em setembro



via ayrton b.

Nenhum comentário:

Postar um comentário